Mais um escrito da madrugada…

Querido diário,

Olha eu aqui de novo! Sim, para dar continuidade a postagem anterior! Aliás, já te adianto que esse post deu 6 páginas do word! ? Se preferir, pode ler em etapas, como quando estamos lendo um livro. ?

Imagino que você tenha ficado curioso para saber se passei ou não no tal teste. A propósito, qual o seu palpite?? ?

(Pausa dramática)

Preciso dizer que eu já estava desacreditada, pois encerrou o prazo de resposta e nada de eu receber o e-mail com a devolutiva da audição. “Não passei, é isso, não era pra ser.” Pensei conformada. Soube de dois amigos que receberam a resposta que tinham passado, o que só reforçava essa ideia. 

Daí… dois dias depois do término do prazo de resposta, quando eu já não nutria mais nenhum tipo de expectativa, recebi uma notificação no e-mail. Era eles! Abri sem a menor empolgação, pensando se tratar de uma simples mensagem de agradecimento por ter participado (que era exatamente o que estava escrito nas primeiras linhas), até que, continuando a leitura, leio a seguinte frase: “pois você foi aprovado para o evento…” (What?????) ??? quem me visse naquele momento, pensaria que tinha aparecido a imagem de um bicho na tela do meu telefone, de tão expressiva que fui! ?

Era a personagem que eu queria? Não, não era. Na verdade, nem imaginei que fosse ter a personagem que peguei, então fiquei dividida entre a felicidade de estar dentro e uma leve frustração por não ser a personagem que eu tinha pensado. “Não seja ingrata”, me repreendi mentalmente. “Um puta evento desse será excelente para o seu currículo, fora o networking, além de ser uma experiência completamente diferente de tudo que você já fez até o momento.” O meu eu mais sábio me dava vários tapas na cara. 

Daí lembrei de um vídeo muito legal daquele ator que fez o Latrell no filme “As Branquelas”, em que ele diz: “Prefiro ter um papel pequeno numa produção foda, do que ser o protagonista numa produção ruim”. Um consolo válido. Não seria a protagonista, mas estaria dentro do negócio e isso era o mais importante! 

Mas a verdade é que eu estou cada vez mais apaixonada pela minha personagem. Ela possui uma relevância maior do que julguei num primeiro momento. Engraçado que fui pesquisar mais a fundo a história dela e é impressionante como a putaria me persegue, rs. Deixarei esse enigma sobre ela com vocês:

“De acordo com o livro original, […] no passado, tinha o costume de se hospedar no quarto, seduzia jovens rapazes e fazia sexo com eles. No entanto, arrependida de seus atos… […] enquanto tomava banho.”

*

Os ensaios começaram essa semana e vou compartilhar um pouco de como tem sido. 

O primeiro dia parecia início de ano letivo. Todo mundo centralizado num determinado ambiente, esperando sermos chamados para dentro. Uma rápida olhada nas pessoas. Pessoas bonitas, alguns rostos conhecidos. Mal parava para cumprimentar um e outro já surgia. – O mundo das artes é mesmo pequeno. – Pessoas que já trabalhei em outros eventos, pessoas que gosto e outras que não aprecio tanto assim. Assinamos nosso nome numa lista, com especificação do horário que cada um chegaste e incrivelmente todos foram pontuais, rs. 

Me inseri num grupo de conversa, ao avistar algumas pessoas conhecidas. Que energia gostosa. Todo mundo animado com a oportunidade e ansiosos pelo que estaria por vir. Como é um evento completamente inédito, a expectativa e curiosidade estava altíssima. 

Com um pouco de atraso fomos convidados a entrar no grande teatro. Indicaram um espaço para colocarmos nossas bolsas e cadeiras foram trazidas, formando uma grande roda de conversa. Dois produtores estavam presentes. Ambos se apresentaram, contando suas bagagens artísticas (um deles é bem conhecido no meio dos musicais) e depois foi solicitado que um por um do elenco fizesse o mesmo. 

Algumas apresentações foram interessantes, engraçadas e outras tediosas, com detalhes irrelevantes. Chegou a minha vez. Fui sucinta, não achei necessário trazer à tona toda a minha trajetória artística, apenas falei que estava no teatro desde 2018 e que a minha experiência com aquele gênero vinha desde o ano passado, quando trabalhei no meu primeiro grande evento. Falei do meu trabalho atual (aquele que conflitei sair ou não), já fazendo aquela singela propaganda do evento e, surpreendentemente, arranquei muitas risadas ao dizer: “Inclusive, quem ainda não foi, vão conhecer, eu faço a guia lá e sou muito boa!” ? convencida, mas de uma maneira fofa e extrovertida. ?

Depois dessa longa apresentação individual, todos fizemos uma pausa de meia hora, que usei para comer alguma coisa. 

Ao retornamos aos nossos lugares, foi aí que o negócio começou a ficar bom. Um dos produtores nos revelou tintim por tintim de como será o evento e ainda que ouvi-lo contar, não trouxesse a mesma emoção do que seria viver tudo aquilo que ele estava dizendo, saber de toda aquela parafernália e efeitos, na íntegra, causava muitos murmúrios entre o elenco, de satisfação e surpresa, com a mega produção que estávamos lidando. Ouso dizer que será o trabalho mais incrível e inesquecível que já participei até agora. Estou muuuuito, muuuito ansiosa pelo que está por vir. Distribuíram os roteiros, fizemos uma leitura conjunta e então finalizamos o primeiro ensaio.

No segundo dia formaram grupos com o elenco que estará junto em cada setor e posso dizer que estou muito satisfeita com as pessoas que estão no meu. Mas ainda que eu tenha gostado deles, estou fazendo um exercício diário de não me prender a ninguém, buscando interagir sempre com todo mundo. Aliás, gostaria de criar uma lacuna de assunto aqui. 

Como contei no primeiro capítulo dessa nova fase (que você pode recapitular clicando aqui), até o momento trabalhei em três grandes eventos. E em cada um tem sido um aprendizado diferente. No meu primeiro trabalho, que durou três meses (não se espante, vida de artista é assim mesmo, dinâmica, estilo nômade, sem aquela rotina e segurança de um CLT que – sendo bem honesta – me entedia, gosto de emoção e adrenalina), eu fiz a besteira de me fechar numa bolha, interagindo somente com dois amigos que eu já conhecia. Me privei de criar relações e isso contribuiu para que determinadas pessoas tivessem uma ideia errada sobre mim. 

Mesmo não criando muitos laços, foi através desse meu primeiro trabalho que consegui o segundo. Uma das atrizes do evento, que, por acaso, interagi um pouco mais nos últimos dias, indicou uma galera para esse segundo e eu estava entre as suas indicações. 

Nesse segundo trabalho colhi o que plantei no primeiro. Muitas pessoas do elenco já estavam conectadas, devido ao trabalho anterior, enquanto eu me sentia uma novata, ainda que não fossem desconhecidos para mim. – Meus amigos não seguiram nesse.

Foi aí que começou o aprendizado. Aprendi que, no meio profissional, não devemos nos prender a pessoas, limitar o nosso círculo, ainda que tenhamos maior afinidade com umas do que com outras. É necessário se permitir criar multi relações interpessoais. Parece óbvio, mas foi algo que precisei vivenciar para aprender. 

Então fiz isso no segundo trabalho e o resultado foi surpreendentemente positivo. Me descobri uma pessoa carismática, admirada e querida. Inclusive, foi uma grande surpresa quando duas pessoas que, por alguma razão que desconheço, não gostavam de mim pelo que interpretaram a meu respeito no trabalho anterior, mudaram suas percepções, ao me conhecerem melhor, nessa segunda jornada trabalhando junto. 

Então passei a entender e a valorizar mais a importância de fazer contatos. Contatos que surgem através da sua boa relação com as pessoas e, claro, com a reputação que se cria a respeito do seu trabalho. 

*

Mas então, voltando a experiência atual, estou exercitando isso, de não me prender a ninguém e interagir com todo mundo igual. Uma vez ouvi em algum lugar que “fazer o bom vizinho é ser falso”, mas não é bem assim. É simplesmente ser você mesmo, o tempo inteiro, com quem quer que seja. E é legal pois não sou mais eu que vou até as pessoas, deixo que elas venham até mim. Está sendo um exercício muito edificante. Às vezes atraio as mesmas pessoas, às vezes pessoas diferentes e assim as relações vão se formando. 

Enfim, ontem foi o terceiro dia de ensaio e fizemos alguns exercícios de interpretação muito legais, que vou compartilhar aqui para aqueles que não tem a menor ideia de como é o meio artístico.

O primeiro exercício eu já tinha feito antes, durante as aulas de teatro e talvez também em algum outro workshop de atuação.

É um exercício com situações hipotéticas. Quem está nos dirigindo começa pedindo que andemos pelo espaço. Daí vamos andando entre nós, nos cruzando sem ordem, como se estivéssemos andando na Times Square, gente para todo lado. Daí ele vai criando situações para que busquemos agir conforme essas eventualidades atingem a gente.

Começou:

Você está indo para algum lugar. – Daí cabe a você criar a sua história. Está indo para onde? Para o trabalho? Para a escola? Encontrar alguém?

Eu imaginei que estava indo encontrar um date, então estava animada na caminhada, visivelmente empolgada e cheia de expectativas pelo encontro.

Daí nesse trajeto foram se formando nuvens no céu e a temperatura foi caindo. – Daí geral começa a fazer sinais de que está com frio, passando as mãos pelos braços, esfregando uma mão na outra, coisas desse tipo. 

Vai esfriando cada vez mais, caindo para 15 graus. 

De repente você percebe que o chão está molhado. – Daí todo mundo começa a andar com mais cautela, se imaginando pisando numa poça de água. 

Gradativamente a água vai subindo. 

Está na altura do seu calcanhar;

Da canela;

Dos joelhos;

Da cintura;

Umbigo;

E nesse momento você percebe que a água está suja, cor escura, para depois se transformar numa água de esgoto mesmo. 

Aquela água fedida e nojenta chega na altura dos seus peitos. – Nessa hora comecei a sentir ânsia de verdade.

Chegou no pescoço e você tá quase sendo coberto por aquela água podre, mal consegue continuar andando. 

Como falei pra vocês, eu já fiz esse exercício antes, mas em nenhuma dessas outras vezes senti de fato que aquilo estava acontecendo comigo. Eu apenas buscava interpretar como eu agiria dentro daquela situação, mas desta vez, senti real, vivendo aquilo mesmo! Consegui imergir de verdade! Me deu ânsia, tossi algumas vezes e até lágrimas escorreram dos meus olhos! Ainda borrei meu rímel. Fiquei muito impressionada e orgulhosa da minha evolução.

Enfim a água foi reduzindo, nos levando para um desfecho de nos depararmos com uma praia, para que lavássemos toda aquela inhaca impregnada na nossa pele. 

O segundo exercício já foi mais leve e divertido. O propósito deste era que conseguíssemos, com o mínimo movimento possível, demonstrar o que estávamos indo fazer. Ele queria nos mostrar que “menos é mais”, pois no evento que vamos trabalhar, nossa interpretação terá que ser mais contida, nível cinema e não expansiva, nível teatro. Então tínhamos que, um por um, andar numa linha reta e, quando chegássemos no meio desta, executar algum pequeno movimento, que desse a entender o que estávamos indo fazer a partir daquele movimento. O ideal era que ficasse claro, para quem estivesse assistindo, pois isso significaria que conseguimos transmitir a mensagem certa para o visitante, mesmo com rápidas ou curtas aparições no evento.

Lá foi o primeiro participante do desafio. Ele fez aquela discreta contração de quando estamos com ânsia e já ficou claro que estava indo vomitar, hipoteticamente falando. A segunda fez uma torcida de nariz, que mostrava que estava indo espirrar. E assim foi indo, até que chegou a minha vez. Adivinhem o movimento que eu fiz? ?

Felizmente ninguém teve a mesma ideia que eu. Andei até o meio do caminho estipulado, no momento de fazer o sútil movimento, olhei para o elenco que assistia e fiz um olhar safado com uma singela e rápida levantada de sobrancelha. Todo mundo caiu na risada na mesma hora, alguns até bateram palmas, diante da minha ousadia. ??? Quem mais teria a coragem de simular publicamente que estava indo transar (hipoteticamente falando)? Somente o meu eu Sara Müller mesmo! ?  

Esse exercício foi bem extenso, imagina 40 pessoas fazendo cada uma na sua vez. Tiveram vários engraçados, como a menina cheirando o ombro, representando que estava indo passar desodorante, ou o menino que travou as pernas de um jeito estranho, representando que estava indo no banheiro. Ou a outra que olhou para os pés, representando que ia amarrar o cadarço. Curioso que também tiveram aqueles que não entenderam o exercício, que faziam no trajeto inteiro, o movimento que era pra ser pequeno e somente em determinado ponto do percurso. Fora aqueles que você sequer entendia o que a pessoa estava indo fazer. ?

Depois teve um novo exercício, agora já focado no roteiro do evento, em que buscamos recriar a cena de nossos personagens.

Voltei para casa me sentindo super leve, sabe? Uma sensação muito gostosa, cuja só é possível quando se está fazendo o que gosta. O mesmo tipo de sensação que eu sentia quando saía dos encontros que eram agradáveis. – Porque também gosto de sexo, rs.- Estou muito feliz de estar conseguindo sentir as mesmas boas sensações e vibrações em outro ramo de atividade também.

Em breve volto com mais novidades!

Grande beijo! ?